sexta-feira, 22 de julho de 2011

Entrevista: Dr. Salazar

Antes de passar às partes mais “importantes”, diz-me como e em que circunstâncias se formaram os Dr. Salazar?
Eu vinha de outro projecto com um elemento que fazia máquinas e sintetizadores, Carlos Marques, fizemos o arranque dos Dr. Salazar com o já distante EP “Dedo Na Ferida”, isto após uma ronda significativa por diversos concursos/festivais de bandas. Por esta altura (2002/2003) havia muitos eventos do género por todo o país e também muitas bandas, daí termos optado por um trabalho diferente, cantar em português sem estrutura convencional à procura de um caminho, para sermos mais uma banda não valia a pena, com todo o respeito pelos outros projectos obviamente. Escolhemos também um nome polémico e fez todo o sentido porque o “core” do projecto assenta na crítica social ainda por cima a falar de regimes, ditaduras, da Guerra Colonial e por aí fora. Devo confessar que prevíamos alguma hostilidade ao nome como veio mesmo a acontecer, felizmente hoje já um pouco dissipada. Por fim a opção clara de escrever em português, caramba temos uma das línguas mais faladas do mundo, sem que isto seja uma rejeição aos outros idiomas.


Quem são os Dr. Salazar?
Os Dr. Salazar são: Manuel D'Albuquerque - Voz e máquinas (em off), Pedro Neto - bateria e guitarra (em off), Marco Moura - guitarra, Dim Costa Neto - guitarra, João Mendes - baixo (em estúdio e metade dos concertos), RJ - baixo (ao vivo, outra metade dos concertos). Os Dr. Salazar não primam por formações estáveis embora exista sempre um núcleo duro formado por Manuel D'Albuquerque, Pedro Neto e Marco Moura desde o início. Os baixistas já colaboram com a banda há um tempo significativo, o caso do Ricardo João que vem da formação inicial e o João Mendes que é técnico de som e membro dos estúdios Thape em Loures. Ambos alternam/emprestam 1/2 do tempo aos Dr. Salazar, mas às vezes perdemos concertos por não estar nenhum disponível. Durante o álbum “Antes & Depois” e por um período de 2 anos tivemos um terceiro baixista José Ramos. O Dim Costa Neto é um guitarrista que aparece no álbum “Lápis Azul”, isto por força de eu ter passado apenas para a vocalização, uma vez que até aí tinha também a cargo a segunda guitarra da banda. Mas há uma ausência sentida de um elemento fundador, o Carlos Marques (máquinas e sintetizadores) que abandonou por razões pessoais e trabalhou até ao álbum “Antes & Depois”, mas já não fez as apresentações ao vivo. Daí para a frente assumi eu as funções sendo já responsável pelas máquinas no álbum “Lápis Azul”, mas trabalho em off, e por isso nos apresentamos ao vivo sem essa parte, é uma lacuna que havemos de resolver, há-de aparecer um bacano um dia, aquilo a que se chama na gíria das bandas, um maquineiro.


Devido ao nome polémico, foram proibidos de actuar em certos sítios e verifica-se uma certa tendência para serem ignorados por certos órgãos de comunicação. De uma forma geral, fala-nos de várias situações que tenham ocorrido.
Proibidos declaradamente não fomos propriamente, sentimos que fomos evitados, não éramos bem-vindos com um nome daqueles, lá o que dizia-mos não era importante, não podíamos era ter um nome que representa o fascismo. Era isto que nos faziam sentir e era o que expressavam por vezes na nossa cara, episódios vários sobre os quais já falámos o bastante mas há outro lado que não se vê, que não se retrata em episódios, é a censura muda ou surda, é o compadrio da cultura, quem não é da cor não tem expoente, vector reflectido numa simples escolha de cartaz para um evento ou no acesso à maioria dos eventos municipais.


Todas essas situações fazem com que as vossas aparições ao vivo sejam um pouco esporádicas. Como é que têm sido os vossos concertos e como é que tem sido a recepção do público?
Sobre as apresentações ao vivo até poderiam ser mais, todas as bandas podiam tocar mais, se não tivessem que pagar as despesas, ou seja, pagar para tocar: PPT, como já se diz por graça. Salvem-se alguns clubes ou pessoas que sabe-se lá às vezes com dificuldades lá vão ajudando as bandas no estrago, percentagens de porta, ou de bar, vários são os modos da coisa ir rolando. Sobre os nossos concertos, depende um pouco do evento, se é ao ar livre o show é melhor porque usamos pirotecnia, mas se for numa sala estamos mais em frente ao público e às vezes é gratificante quando aderem, cantam connosco, eu gosto disso! De um modo geral quando estão num evento de Dr. Salazar pela primeira vez ficam um pouco apreensivos, estáticos, parece estranho (a tal diferença) e isso é o primeiro passo.


Os Dr. Salazar não tem vínculo de qualquer editora, já apareceu alguma para um próximo lançamento?
Nunca na nossa existência fomos abordados por qualquer editora, nunca ninguém manifestou por nós o menor interesse em lançar ou promover o que quer que fosse. Tudo o que editámos, gravámos, promovemos, foi do nosso bolso com algum retorno também, mas longe do equilíbrio. É este o nosso caminho, o da autopromoção e pelo meio uma ajudinha duns bacanos sem preconceitos que abordam o nosso trabalho e nos vão proporcionando algumas oportunidades.


Apesar de todos os problemas, os Dr. Salazar nunca “desistem”. Qual é o balanço que fazes da vossa carreira?
A música não é uma coisa da qual se desista, quem a tem por dentro nunca a larga e isto é extensivo a pessoas que não são músicos. Há uma partilha neste sentimento, sente-se e mais nada. A carreira dos Dr. Salazar é pautada como já referi pela auto-suficiência, sem agentes, sem editora e por consequência sem furar o circuito onde é mais importante, entenda-se exponencial, não estamos onde gostaríamos de estar, mas também temos noção de que praticamos um alternativo sonoro que não é propriamente um pacote comercial atractivo, que motive investimento, e sobre a cultura não vale a pena falar. Para nós o que é gratificante é chegar a um concerto e ter o pessoal a cantar o refrão connosco, isso sim dá pica e faz esquecer a despesa e carregar o equipamento para o estúdio às tantas da noite.


Quais foram as principais diferenças no processo de gravação do “Antes & Depois” para o “Lápis Azul”?
O “Antes & Depois” foi gravado nos estúdios Namouche - Lisboa com um pacote financeiro a respeitar, embora em condições técnicas de qualidade, não podíamos abusar no tempo enquanto que o “Lápis Azul” foi gravado no estúdio Thape - Loures, do qual o baixista João Mendes é membro e o benefício é amplamente reconhecido. No fundo tivemos mais tempo para trabalhar mas demorámos muito entre o primeiro e o segundo álbum.


Do “Antes & Depois” para o “Lápis Azul” nota-se uma certa evolução, os temas são menos sujos, mais leves, complexos e emocionais, em que os mais pequenos pormenores electrónicos fazem uma diferença enorme. O que é que podemos esperar do próximo álbum? Vai ser mais “pesado” que o Lápis Azul?
É uma produção diferente e noutras condições técnicas, o “Lápis Azul” foi um álbum maturado, alterámos muita vez os temas e não há dúvida que as máquinas tornam o álbum mais leve mas as guitarras tão lá na mesma em força e com um trabalho maior uma vez, pela primeira vez recorremos a afinações específicas. Tudo aponta para que o terceiro álbum de originais venha mais pesado, mais dinâmico, isto por força da experimentação ao vivo. O nosso concerto tem temas de ambos os álbuns e eles são escolhidos um pouco em função do resultado ao vivo de uns concertos para os outros, aprende-se a ver o que o público quer.


Na hora de compor os temas o que é que te inspira mais?
Não tenho hora para compor, acho que ninguém tem, isso é uma coisa que nos sai no sítio e na hora mais estranha, ir a correr pegar na guitarra para fixar uma ideia é a coisa mais comum nos músicos. Às vezes levam-se uns textos ainda mal amanhados para o ensaio e deixamos a coisa fluir. A temática aqui nos Dr. Salazar é a crítica social, começámos por abordar a Guerra Colonial e isso tinha a ver com o regime de Salazar, o álbum “Antes & Depois” é a contraposição da Ditadura e da Democracia o que é que ambas têm de bom e de mau, o que é que mudou, o que é que nunca muda. No “Lápis Azul” mantém-se a temática, fala-se da censura (antes e depois) de Abril entenda-se “Aqui D'Hell Rei” mudaram a lei já fui enganado, ainda uma referência á Guerra Colonial com o Lar de Mutilados (tema “Casa da Vergonha”) e alguns temas de ensaio à auto-reflexão, não temos que estar sempre a meter bocas de protesto no refrão, podemos abrir outras portas.


Qual é a mensagem que pretendem transmitir com “Lápis Azul” e o porquê desse título?
Numa altura em que se questiona tanto a comunicação social, que influencia têm os grupos económicos, o jogo das direcções, quem são os órgãos credíveis. O “Lápis Azul” era o instrumento de censura de Salazar, então e hoje? Quais são os instrumentos? Quantos lápis azuis se calhar já digitais, existem hoje? A censura estará mais refinada mas não acabou e também falamos dos “Casos” de justiça que não se resolvem porque não convêm resolver, acho que escolhemos bem o título “Lápis Azul” como dizemos na letra, agora com “outras cores”.


Onde podemos encontrar os vossos álbuns à venda?
O álbum “Antes & Depois” já é difícil de encontrar, foi distribuído pela Música Activa que já fechou mas a banda ainda disponibiliza alguns. O “Lápis Azul” é distribuído pela Compact Records e supostamente estará disponível nas áreas comerciais tipo Fnac e também nas lojas mais ligadas ao Metal: Piranha, Carbono, Louie, Xaranga etc. Já agora para apreciadores fiquem atentos aos próximos passatempos da LOUD! onde haverá álbuns e t-shirts dos Dr. Salazar.


Por fim, querem deixar algumas palavras?
Por fim queremos deixar um forte abraço a todos aqueles que não tiveram preconceitos com o nome da banda e partilharam connosco um espaço onde pudemos expor e divulgar o nosso trabalho. Destaque para o mais recente concerto dos Dr. Salazar no Santa Maria Summer Fest em Beja organizado pelo presidente da junta de freguesia Victor Paixão, é um gentleman de fala directa e camisola preta ostentando o Fest da sua paróquia. Fez uma recepção à rapaziada das bandas (9) digna de registo, era os músicos, era os amigos, todos eram bem-vindos, ninguém ficava de fora no Fest, era a comidinha era a bebidinha era a metalada. Parabéns Victor Paixão e a todos. Pró ano será o 3º Summer Fest em Beja.

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