sexta-feira, 3 de junho de 2011

Entrevista: Why Angels Fall

Os Why Angels Fall iniciaram as actividades em 1997, o que os levou a formar a banda na altura?
Quando comecei a tocar com o Miguel em 1997, estávamos juntos numa banda de Gothic Rock que eram os Te Devm. Nesse sentido, isso poderia ser encarado como um primeiro estágio daquilo que hoje são os Why Angels Fall. O que nos levou a formar uma banda foi algo normal, aprendes um instrumento, baldas-te a algumas aulas para ouvir discos e depois encontras pessoas que partilham ideias, vontade de fazer música, vontade de tocar as músicas que gostas, de fazer berrar um amplificador…


Porquê o nome “Why Angels Fall”?
O nome pretende evocar uma sensação de perda e de saudade. Um estado de Graça perdido, cujo anseio conduz a um caminho de transcendência – afinal dentro do homem está o abismo, mas também o Éter. Rever os actos da queda leva-nos a reerguer, esses actos são “Why Angels Fall”…


Como foram os primeiros anos da banda sem editar/lançar algo? O vosso primeiro lançamento foi em 2003, como decorreu o processo de gravação e produção do “…To The Sun”?
Quando, por vários motivos, os Te Devm pararam (tendo ainda mudado o nome para Children Of Lir e reciclado um pouco a própria conceptualidade da banda), dei por mim a querer experimentar outro tipo de sonoridade. Então fui experimentando alguns takes em casa e no final de 2002 decidi mostrar isso a algumas pessoas a resposta foi positiva e decidimo-nos gravar uma maquete. Começámos eu e o Miguel, e outro músico, o João, que também fez parte dos Te Devm – no entanto o João sairia depois das sessões de bateria que gravámos em Braga, com o Daniel. Essa primeira fase foi completada num fim-de-semana. Depois aos poucos fomos gravando com o Basílio e no Verão de 2003 o trabalho estava completo – as gravações acabaram por ir ditando o line-up, pois foi quando o Roberto entrou também para a banda e o Basílio que nesse trabalho gravou apenas o “duelo” de guitarras comigo no final de um dos temas acabaria por entrar também para a banda. Acontece que o Daniel gravou as baterias como um amigo, um músico de sessão e não tinhamos baterista, daí tirando um ou outro concerto só em 2005 termos surgido ao vivo, já com o line-up actual. No fundo, o “…To The Sun” acabou por ser um trabalho com várias correntes sonoras, a explorar os caminhos que poderíamos seguir.


Em termos líricos qual é a principal abordagem do EP?
“Dikranon” fala precisamente da encruzilhada ontológica do ser humano, da postura deste diante do Ser Supremo, é uma letra de lamento teológico. “Beneath The Dream… The Post Dream” e “The Fallen Minstrel” falam de perda, de alguém, de emoções.


A Demo “Dikranon”, de 2006, teve alguma razão em especial para ser editada?
Essa Demo surgiu por duas razões: no decorrer dos ensaios para algumas datas em 2005, demos por nós a experimentar a “Dikranon” em português e ficou a sensação que dessa forma o tema adquiria outra ressonância, então voltámos a pegar nas sessões do EP e regravámos a voz, eu e o basílio acabámos por acrescentar alguns solos de guitarra para dar um feeling ainda mais Pink Floyd ao tema; depois a tributo o tema gravado para o tributo a Skepticism estava na gaveta desde 2004, o projecto esteve muito tempo parado. Acabámos por decidir que eram duas boas demonstrações para enviar em pacotes promocionais da banda e mostrar sinais de vida para o exterior, e uma vez que o investimento já estava realizado, assim o fizemos.


Em 2007 participaram num tributo a Skepticism. Como surgiu esse convite?
Quando começámos a mostrar o EP no final de 2003, a editora que lançou esse tributo teve connosco um pré-acordo de edição do “…To The Sun” e ao mesmo tempo endereçou-nos o convite para participar no tributo. Depois, por divergências que surgiram, acabámos por lançar o EP em edição de autor, contudo, o convite para o tributo manteve-se e poder trabalhar nisso, mais que uma forma de exposição foi o desejo de correr riscos ao trabalhar algo tão susceptível como um tema de uma das mais influentes bandas dentro do género. Mudámos bastante o original para o acolhermos na nossa sonoridade, de forma que queria um contacto directo com a versão dos Skepticism, então convidámos o Nuno para fazer as vozes e evocar o registo colossal do Mati.


O contacto com a Bubonic Productions já vinha de alguns anos atrás ou surgiu quando vocês se preparavam para editar o álbum?
O contacto com a Bubonic vinha um pouco de trás, através duma relação de amizade e respeito face a gostos comuns. Quando começámos a intuir uma data para terminar o álbum surgiu o interesse em editá-lo, sem qualquer interferência nas linhas conceptuais e de produção. E a própria Bubonic possui uma atmosfera que nos parecia ajustada ao álbum.


O álbum tem duas músicas bastante longas, não era mais fácil “dividi-las”? A audição dos temas não se tornaria mais acessível?
A nós fazia sentido que fosse assim, foram construídos e pensados dessa forma desde o início. Também para os trabalhar em estúdio teria sido mais fácil quebrá-los, mas o desafio também passava por acondicionar um sentido dinâmico musical em peças tão longas, acaba por sentir-se uma “divisão” em cada um dos movimentos que não deixa de ser fácil intuir. De outra forma talvez a audição se tornasse acessível, mas a apreensão do conceito poderia tornar-se mais difícil.


Passaram 7 anos desde o último lançamento, o “The Unveiling” é gigante e tem pormenores que se ouvem ou se descobrem ao fim de várias audições. Necessitaram desse tempo todo para o nascimento desta obra? Como decorreu o processo de gravação e produção do álbum? Deve ter sido difícil e complexo…
O principal motivo de todo este tempo, além das interrupções descritas acima, foi o desenvolvimento lírico do trabalho. Musicalmente foi necessário manter coerência em duas peças com a cronometragem que o álbum apresenta e tudo isso levou a alguns ajustes, coisas que saíram, outras que entraram mesmo no final. Depois são os próprios álbuns a decidirem o seu timming, a música tem um poder próprio, misterioso… quando decidimos que estávamos a ser impelidos pelos temas e entrámos em estúdio, as coisas aconteceram com alguma rapidez: entre Outubro e Dezembro completámos as gravações. Depois houve pormenores de arranjos instrumentais e vocais que decidimos acrescentar ao ouvir as primeiras misturas, para fornecer mais detalhes atmosféricos e culturais, de forma a situar mais geograficamente a parte musical com o percurso lírico. Em Janeiro esse processo, tal como as misturas, ficou completo. Houve ainda um trabalho de alguma correcção de metrónomo, de forma a corrigirmos qualquer latência derivada do processamento de ficheiros tão pesados. E a masterização foi um processo bastante simples.


“The Unveiling” é um álbum conceptual, falem-nos, de uma forma geral, do conceito envolvente.
O “The Unveiling” fala do ser humano enquanto uma forma de Estar, precária, a caminhar para a plenitude do Ser, do Verbo Primordial. Tudo se diz e constrói a partir do verbo “Eu Sou” e esse foi o nome que os autores bíblicos desvendaram para Deus. Procurando o fundo do seu ser, no seu íntimo, o ser humano descobre-se como imagem do Verbo, do Logos, de Deus e revela-se a si mesmo nesse encontro que é forma de transcendência. O destino do homem é ser maior, descobrir-se divino. Um ser humano que não saiba declamar esse Verbo Primordial é uma sombra, apenas se situa no Estar e não se concretiza, não se torna, não se faz Ser.


Na parte final do álbum aparecem referidos alguns livros bíblicos. A parte lírica demorou bastante tempo, foi só o Nero que ficou a cargo das letras?
Sim, com um trabalho também de sugestão e revisão por parte de alguns colegas de curso. E uma enorme inspiração na riqueza dos textos bíblicos.


A faixa “The Unveiling” tem um carácter bastante oriental, na percussão, no uso da cítara, e até na voz. Como surgiu a ideia de apostar nesse tipo de sonoridade? Era algo já pensado há muito tempo?
Queríamos algo que evocasse o Centro do Mundo, com detalhes que permitissem pontos de contacto com qualquer geografia musical, no fundo procurar dotar essa parte duma ancestralidade e misticismo duma hipotética Fonte Sonora Comum de onde os vários sons do mundo emergiram. Esse momento é na história o primeiro contacto entre a consciência humana com o Mistério originário que a rodeia e tentámos recriar um Éden sonoro. Foi algo, que ficou muito mais enriquecido com o tempo de experimentação que tivemos em estúdio, mas que era um objectivo desde o momento que o conceito do álbum se definiu.


A “Neo Genesis” é a faixa mais “cristã” do álbum, com um som de piano (muito elaborado) quase a solo durante 10 minutos, acompanhado por uma leitura bíblica, e tem um fim, digamos, “épico”. Como foi processo de criação e captação do piano?
Gravar os pianos é sempre a parte mais fácil nas nossas sessões de estúdio. O Miguel é uma “máquina” a gravar, mesmo takes tão grandes como os que fizemos neste trabalho, geralmente, consegue-os “à primeira”. No caso particular desse solo havia uma edição que vinha das sessões de pré-produção com algumas estéticas e o ambiente estruturado, mas o take que ficou no registo foi gravado de improviso. Necessitámos apenas de algum trabalho de overdub para acrescentar algo mais a momentos que tinham ficado com o feeling certo, mas com uma ou outra imperfeição demasiado evidente.


Qual foi a faixa que demorou mais tempo a compor?
A “Neo Genesis” foi descoberta primeiro, mas demorou mais a ficar definida. É um tema com uma estrutura mais sólida e mais assente em repetição e portanto demorou um pouco a dar-lhe a dinâmica necessária para criar o lento crescendo que desenvolve até um final muito emotivo. Depois também em estúdio foi o primeiro a começar a ser gravado e o último a ser terminado.


Têm recebido críticas bastante positivas vindas de um pouco de toda a Europa, como foram as vendas do álbum?
A edição especial foi uma aposta ganha. A edição normal não tem tido tanta procura, há muitos contactos do estrangeiro, mas acima de tudo de quem tem obtido o álbum por meios “apócrifos”, digamos assim.


As aparições ao vivo são esporádicas e têm sido alvo de apreciações bastante positivas. O facto de darem poucos concertos torna o culto à volta dos Why Angels Fall mais pessoal?
São esporádicas por motivos pessoais/profissionais e porque acabamos por não ter também um circuito em que as bandas se possam mostrar com boas condições para o seu som, com dignidade. De resto, não creio que haja um culto em torno das actuações da banda. Não creio que exista sequer esse tipo de devoção a uma banda nacional no nosso underground, o que vejo mais semelhante a isso acontecerá com os Process Of Guilt e com os Grog, duas bandas com uma enorme qualidade no seu trabalho e irrepreensíveis ao vivo.


Recentemente tocaram no Dublin Doom Day, na Irlanda, como foi a recepção do público? Gostaram?
A resposta à nossa presença lá foi gratificante, por dois motivos: fomos muito bem acolhidos, só não nos deram o que não tinham; depois o público que se dirige a ti não o faz por educação ou elegância, são estranhos que se sentem impelidos a virem elogiar-te ou dizer-te onde poderias ter feito melhor somente devido ao que o concerto suscita. Foi uma das melhores experiências que, enquanto Why Angels Fall, já tivemos.


Em Novembro reeditaram o “…To The Sun”. Com o “sucesso” do álbum achas que os fãs tiveram curiosidade em ouvir e pesquisar o material mais antigo da banda?
Era uma ideia que havia há algum tempo, havia quem nos contactasse com o intuito de obter esse trabalho que, por ter sido edição de autor, teve um pressing muito pequeno. Assim pensámos em incentivar o público a vir ao último concerto de promoção ao “The Unveiling” com esse bónus… pelo resultado diria que não houve essa curiosidade.


O DVD ao vivo incluído na reedição está bastante bom. Têm mais alguns concertos gravados e que possam ser editados num futuro próximo?
Temos mais footage ao vivo que está a ser tratada e ainda a intenção de desenvolver algo com vídeo para acompanhar o próximo trabalho. Há muitas coisas em aberto nesta altura.


O nome do próximo álbum vai ser “The Four Living Creatures”, já estão em fase de pré-produção, certo? Qual vai ser o conceito principal?
O conceito está centrado nos quatro evangelhos canónicos, no fundo como a fé cristã olha para Jesus Cristo, as nuances de intensidade e de visão de cada um deles. Se o “The Unveiling” é um álbum sobre do despertar do Logos, este será sobre a proclamação do Logos.


O que podemos esperar desse álbum?
Há ainda muito por definir em relação ao formato final, contudo parece-me que musicalmente o “The Unveiling” foi um vértice do qual podemos desenvolver a nossa sonoridade por algum tempo, assim não estará atmosfericamente muito distante deste trabalho onde iremos procurar desafios e riscos maiores ao mesmo tempo que procuramos maturar o nosso som. De resto, é sempre bom manter o mistério, até para nós próprios.


Para terminar, querem deixar algumas mensagens aos fãs?
Podem contactar-nos sempre e procurar aprender connosco ou ensinar-nos. Que tomem o nosso trabalho, não como qualquer tipo de pretensiosismo ou propaganda estereotipada, mas como um ponto de partida para o desejo de querer saber mais, de quer ser mais. É esse o caminho do ser humano, com a certeza de que no final de cada procura jaz a Revelação. Aproveito também para anunciar que a curta-metragem “Heaven Or Hell” do realizador Filipe Henriques, tem música nossa como parte da banda-sonora e é um “must see” para fãs do cinema indie.

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